quarta-feira, 10 de junho de 2009

Dependentes de Esperança


Por Denise Nascimento
denynews@gmail.com

Quase metade da população estudantil nordestina sofre as dores de algum tipo de dependência química, de acordo com dados da Secretaria Nacional Anti - Drogas (SENAD), que aponta 40% dos estudantes.Um universo que se torna cada vez maior devido às dificuldades, falta de apoio e suporte psicológico.

Para a coordenadora de comissões da Câmara Municipal de Salvador, Clementina Matos, é de suma importância o desenvolvimento de políticas publicas de apoio aos dependentes. “Os dependentes fazem parte da população e necessitam de apoio como qualquer outro cidadão”, destaca.

Um dado das pesquisas assusta, o número de usuários que vivem nas ruas. Segundo os estudos realizadas pelo SENAD cerca de 87% dos moradores de rua utilizam drogas freqüentemente. Mas, nos lares, a situação não é tão diferente, o sofrimento é o mesmo.

Lar: Ambiente considerado o local onde se forma o caráter e personalidade de um indivíduo.

Colo de mãe

Foi nesse lugar que, de um momento para outro, se transformou num pesadelo para uma criança de apenas 8 anos. Maria (nome fictício), hoje com 19, presenciou, durante uma longa etapa de sua vida, brigas de seus pais.

Seu pai, Antônio, é alcoólico. “Eu tinha medo dele. Quando ele chegava na escola, eu saía pelos fundos”, relembra emocionada. A menina que se diz ser uma mulher forte é devido ao apoio de sua mãe. “Ela foi pai e mãe. Não me deixou sentir o peso de ter um pai daquele jeito”, desabafa.

A menina tímida e que tem dificuldades em se “entregar” aos relacionamentos, sejam eles com amigos ou namorados, confessa que sofreu muito durante alguns anos após a trágica separação dos seus pais, que se deu devido Antônio ter falsificado a assinatura de sua mãe numa das folhas de cheque que ele havia subtraído dela. “Foi coisa de Deus. Eu, uma criança, descobrir que foi meu pai quem tinha feito aquilo”. Ela relembra que nem sua própria mãe acreditava que o álcool fosse capaz de transformar de tal maneira um homem digno num ser humano capaz de furtar algo dentro de sua própria casa.

Na época em que tudo aconteceu na vida de Maria, ainda não existiam programas como o
Viva Voz, da SENAD (Secretaria Nacional Anti Drogas), que dá suporte 24 horas por dia a dependentes químicos e a seus familiares. O 0800 510 0015 que funciona há cerca de 8 anos, tem como objetivo além de passar informações sobre o uso indevido de drogas, dar suporte psicológico aos dependentes e aos que convivem com eles. Infelizmente, o programa, é ainda pouco conhecido pela população, que procura nas drogas um refúgio.

Para o psicólogo Lewis Levine a maneira de olhar para os dependentes e para o tratamento que eles necessitam deve mudar para que as conquistas sejam satisfatórias. “Em primeiro lugar, é preciso desmistificar essa história de que terapia é apenas coisa de quem tem distúrbios ou problemas mentais”, afirma.

Graduado nos Estados Unidos, com mestrado pela San Francisco State University e estudos em Harvard University, Levine ressalta a importância de um tratamento para os familiares e amigos dos dependentes. “Na verdade, todo mundo pode se beneficiar da terapia”.


Levando a vida...

Relaxar, esquecer os problemas de um dia inteiro de trabalho, descontrair, divertir-se com os amigos. Esses foram os motivos citados por Carlos Augusto dos Santos, pintor, mecânico e alcoólico. Aos 54 anos, mantém um relacionamento de quase 40 anos com o álcool. “Eu comecei a beber por curiosidade e continuei bebendo por hábito”. Augusto relembrou que aos 16 anos quando experimentou pela primeira vez “cachaça”, não gostou muito, mas bebeu para permanecer entre os amigos. “Quando eu dei o primeiro gole senti tudo queimar por dentro, mas engoli pra não passar vergonha”.

Pai de 2 filhas, Carlos relata que sempre procurou afastar suas filhas do álcool, e as aconselhava sempre dizendo “Não acerte seu relógio pelo meu, pra você não andar sempre atrasado”, fazendo um movimento de negação com a cabeça, ele confessa que poderia ter sido um pai melhor, mais presente a suas filhas se não fosse um dependente do álcool.O pintor que hoje não consegue emprego, já passou por vários relacionamentos, porém nenhum permaneceu firme. O mais duradouro foi de 8 anos com a sua primeira esposa. “Tive varias mulheres. Mas elas não gostavam quando eu bebia”.

Hoje o contato de Carlos Augusto com os familiares é conturbado. Segundo ele, a família não entende o problema. O homem que hoje mora numa casa de dois cômodos, sem luxo e sem família, já não demonstra esperança ou entusiasmo para o futuro. “Eu não tenho mais nada a perder. O homem é do momento”. Finaliza, sem perspectiva de transformação, Augusto.


Cortina de fumaça
Confira o depoimento de uma ex fumante

“Tinha hora que eu queria morrer. Eu me sentia incapaz. O vício era mais forte que eu”. Desabafa, chorando, Dineia dos Santos, 47, fumante durante 17 anos. Dineia sofreu a dor de não realizar o seu maior sonho que era o de ficar grávida, por ter adquirido dependência ao cigarro. Aos 24 anos começou a fumar. Segundo ela, na época, achava esteticamente bonito e dava um ar de maturidade. “Eu, quando comecei a fumar, me sentia mais adulta, mais poderosa”.

Porém, essa beleza custou muito caro. Aos 27 anos, já no quinto ano de casamento, após inúmeras tentativas sem êxito de engravidar, Dineia procurou ajuda médica. Descobriu que as suas chances de engravidar eram mínimas e diminuiriam se ela continuasse fumando. “Nessa hora senti que poderia perder tudo por causa de um capricho”.

Uma série de tratamentos foi iniciada naquele momento, entretanto, nenhum funcionou porque a nicotina afetava o resultado e já influenciava no psicológico da mulher que sempre sonhou em ser mãe. “Eu tentei de tudo pra deixar o cigarro, adesivos, massagens... nada adiantava” afirma emocionada. Aos 34 anos, cansada de frustrações, adotou uma criança. “Substitui o sonho de engravidar pelo sonho de ser uma boa mãe”.

Hoje ela é evangélica e diz que Deus fez um milagre em sua vida, e afirma ter medo que seu filho siga o mesmo exemplo. “Eu digo a meu filho: do caminho das experiências essa foi o mais doloroso em minha vida”. Dineia conseguiu vencer a dependência com a ajuda de terapias de grupo realizadas pela igreja que freqüenta. As sessões que tinham duas horas de duração e aconteciam duas vezes por semana, segundo ela, a ajudaram a conquistar a autoconfiança e vencer o vicio.

Onde procurar apoio

A maioria das entidades de apoio público a dependentes químicos são realizados por ONGs e por grupos evangélicos. Existem cerca de 39 clínicas de apoio na Bahia. Esses grupos sobrevivem devido à ajuda e doações de fiéis.

A falta de recursos impede que as populações de média e baixa renda tenham acesso aos caros tratamentos psicológicos. Em salvador tramita apenas um projeto na Câmara Municipal.O projeto de número 4506, elaborado pelo vereador Teo Sena, visa à exibição de alertas nos cinemas sobre doenças sexualmente transmissíveis e o abuso de drogas. A sociedade que espera por políticas públicas em apoio aos problemas causados pela ação da dependência química, hoje é dependente de esperança

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